Saudades do teatro

Em meio à emoção do movimento ‘Virada Cultural’ pela abertura do Teatro do Parque, dou uma volta no tempo e mergulho no passado para referenciar aqui o valor cultural e afetivo que tenho por esse importante patrimônio do povo pernambucano. 

Ali, vivi grandes emoções. Minha primeira peça teatral, meus primeiros filmes, meus primeiros shows musicais. Não seria diferente para alguém que nasceu e foi criada, morando a menos de 500 metros de distância de um equipamento tão importante, um espaço que mais parecia o jardim da minha casa. Aliás, no auge da minha juventude, na efervescência cultural dos anos 80, eu dizia que aquele Teatro era "a minha segunda casa". Estar naquele espaço, era como se fora uma extensão dela. E aí, na minha viagem ao túnel do tempo, não poderia esquecer as memoráveis peças infantis do saudoso diretor Leandro Filho, que todos os domingos o meu querido pai me levava para assistir. 

Cenários enormes deslumbravam a minha visão pequenina e efeitos sonoros de encenações de clássicos da literatura infantil, cobria de fantasias a minha perceptível realidade. Depois veio a adolescência, e aí começou a fase dos shows, dos memoráveis 'Projeto Pixinguinha' e posteriormente, o 'Seis e Meia' com ingressos a preços populares. A lista de artistas é enorme, só pra citar alguns: Gal Costa, Maria Betânia, Gonzaguinha, Cartola, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Marisa Monte, Chico César, Paulinho da Viola, Ângela Rorô (que chegou comentando o barato que era se apresentar em um teatro, localizado numa rua de nome Hospício!); Alceu Valença, (em pleno auge de sua carreira, que me fez cometer a tietagem de subir ao palco pra dançar forró com ele, entrando numa fila de mais de dez meninas, enlouquecidas pelos seus belos cabelos longos e jeito irreverente de cantar). 

O show de Ney Matogrosso foi uma especie de fenômeno de massa. Era o início dos anos 80, quando principiava sua carreira solo e arrastou uma quantidade imensa de público na cidade, dentro da programação do Projeto Pixinguinha. Naquele inesquecível dia, eu e a minha irmã, formávamos uma dupla inseparável, e nos acotovelávamos no meio da multidão, na entrada do Teatro. De repente, o cordão de isolamento formado por policiais se rompeu. Minha irmã conseguiu passar por debaixo das pernas de um deles e eu fiquei atrás da grade de entrada com o povo, que em seguida, derrubou o portão e me arrastou como massa de manobra mais prazerosa que eu já pude ser! Ainda na adolescência, pisei naquele palco, em um dos festivais de músicas, criados pelo saudoso Sebastião Rosendo, onde participei de uma coreografia da música do também saudoso, mago dos discos, Humberto Brito que vendia disco raro na Rua da Matriz. 

O cinema também era uma marca importante do Teatro Parque e o movimento de Cinema Super 8, com Jomard Muniz de Brito, Celso Marconi, tornava tudo muito vanguardista e empolgante na pulsante programação que nos era oferecida. Depois veio a fase dos filmes com ingresso a um real e ano depois, a dois. Aí foi que o negócio ficou bom! Durante muito tempo minhas segundas-feiras eram sagradas para o cinema acessível e de boa qualidade. Como se não bastasse, já casada e com filhos pequenos, encurtei mais ainda a distância, e fui morar vizinha ao meu querido Teatro, no edifício Yêda. A janela do nosso quarto, dava para aquele jardim maravilhoso e, se não fossem as árvores, daria até pra ver o palco... O som da minha casa era o som que vinha de lá. 

De manhã, os ensaios da banda sinfônica ecoavam pela sala, à tarde, os ensaios dos shows, também aconteciam com muita reverberação, ao ponto de atritarem janelas e peças de louça. Eu poderia ter me sentido incomodada com tudo aquilo, mas não lembro, de em nenhuma vez isso ter acontecido. O que vinha de lá tinha uma sonoridade que movimentava o meu cotidiano e embalava os meus sonhos. Lembro muito bem de um dos primeiros shows da banda Chico Science & Nação Zumbi, quando ainda nem eram conhecidos. Confesso que não fui lá, pagar ingresso, mas ouvi aquele incrível som, da janela de casa e por duas vezes no dia, no ensaio da tarde e na apresentação da noite. Ah, não posso deixar de registrar, a lembrança da primeira peça teatral do meu filho, também na década de 80. Até hoje guardo o folder do programa de ‘Pluft o Fantasminha’, encenado pela aclamada e talentosa atriz Augusta Ferraz e grande elenco.

Dentre as lembranças mais recentes e belas, já nos anos 2000, estão as da minha mãe, freqüentadora assídua das apresentações da Banda Sinfônica do Recife. Uma vez por mês, lá estava ela, na turma do gargarejo, formando uma platéia digna de grandes espetáculos e tinha um depoimento mais lindo, quando dizia que ao ouvir aquele concerto, “se sentia flutuando nas nuvens”, e não acreditava como alguém não poderia gostar daquele tipo de música. Ela também não admitia que não aceitássemos os seus insistentes convites em acompanhá-la. Um belo dia, filhos e netos reunidos, decidiram homenageá-la, aceitando acompanhá-la em um concerto de natal, comandado pelo maestro Neneu Liberalquino, que ela tanto admirava. Nesta noite musical, houve bouquet de flores, abraços, choro e muita emoção reunida.

Nossa, são muitas e incontáveis memórias, vividas no interior daquele Teatro a que tenho tanto pertencimento, tantos motivos para amá-lo e cuidá-lo, como se fora mesmo a ‘minha segunda casa’. Afinal, foi lá onde passei incríveis momentos da minha infância, juventude e vida adulta. E nesse ‘revival’ de histórias aqui reveladas, eu vou me alinhando à massa dos que lutam e cuidam do que é seu. Eu vou me expondo e colocando uma parcela de mim nesse todo chamado arte, poesia, música, teatro, cinema, circo e pão que alimentam a minha alma e fortalecem os meus sonhos.

Vamos chamar os gestores à responsabilidade de abrir as portas, reerguer e zelar com dignidade por esse rico equipamento cultural que ainda pulsa!
Avante classe artística! Avante público pensante! 
Vamos ocupar, lutar e cuidar do que é nosso!

Anaclaudia Vieira - cidadã do mundo e amante das artes.