Lenda urbana: Lolita



Esta foto é de Ivo Alves da Silva, conhecido por Lolita aqui no Recife. Localizado no imaginário da cidade como "figura folclórica", é muito mais do que o clichê desta categorização. Bebedor diário, homossexual e arruaceiro brigão. Cantor de rua, clown dos estudantes de engenharia e de direito, quando as duas escolas eram vizinhas, entre a Rua do Hospício e a Riachuelo, Lolita teve o seu auge nos meados dos anos 50 e 60. Nesta foto ele está com 45 anos e foi tirada em 1975. Deve ter morrido poucos anos depois. Não vou transformá-lo em Jean Genet, tal como fez Sarte na França com o escritor e teatrólogo homossexual e também encrenqueiro. 

Mas Lolita não pode ser resumido. Lolita traz para as ruas do Recife a explosão das contradições sociais do Brasil. Ele é da zona da mata norte, de Nazaré da Mata, terras dos canaviais, filho de uma família grande que migra para São Paulo. Ele termina o ginásio com 22 anos. Sabia ler muito bem e por esta via, é participante urbano da cultura de massa. Seu "nome de guerra", Lolita, vem de um personagem de um filme chanchada brasileiro e de um folheto de cordel que leu e decorou todo. Em ambos havia personagens com o nome Lolita e ele, como declamava o folheto frequentemente pelas ruas do Recife, passou a ser chamado assim, sendo também um ativo promotor deste seu apelido. 

Cunhou a célebre expressão " Quem não conhece Lolita, não conhece Recife". Portanto não era um"excluído" da cultura, tendo estudado,depois da escola, com um padre em Limoeiro. Praticamente violentado sexualmente em criança, nas beiras de açudes de sua terra natal, foi estigmatizado logo pelo pai e daí em diante tornou-se um rebelde e beberrão e fumava maconha em quantidade. Viveu quase toda a sua vida de adulto nas zonas de prostituição, primeiro no bairro do Recife e por último no Pina, na Pensão Jaú.Dizia que adorava viver nestes lugares, onde viveria feliz, sendo cozinheiro de prostíbulos, quando estava sóbrio. O outro ambiente onde se sentia feliz era entre a estudantada universitária. Com a polícia, teve relações paradoxais; era perseguido e também acolhido por esse meio. 

Envolveu-se em lendárias brigas com policiais - consta que ganhou algumas dessas brigas, o que parece ser verdade. Valente e brigão, era; e todos tinham medo de Lolita. Por este itinerário de sua vida, ele condensava de forma extrema e feérica, as contradições das opressões todas. Sua família também representou a fatalidade da exploração dos canaviais de Pernambuco. Todos migraram para São Paulo, como fizeram muitos e muitos, famílias inteiras. Tornou-se um hiper-expressivo das ruas e nos ambientes de classe média alta do Recife. Saia da "zona" e vinha para as pontes e ruas chiques do centro da cidade. E aí estourava de agressividade, ou de "escandalos cantantes", enquanto pôde , até que foi operado das amígdalas, parando de cantar. A imprensa de outros estados descobriu Lolita e ele chegou a ser entrevistado por jornal de Minas Gerais. Desconstruia ao seu modo, o pudor familial e a máscara de macheza da pernambucanidade. Esta, ele desmoralizava pela sua extrema valentia e modo de brigar. Por vezes, andava armado com uma pequena faca, e isto vi pessoalmente e bem perto dele. 

Cheguei a ver, em uma tarde de sábado, saindo do cinema São Luiz e atravessando a ponte Duarte Coelho com uma namorada da época. Estava excessivamente transtornado e tentou passar a faca perto do meu paletó - homem só entrava no São Luiz de terno, naqueles tempos. Claro que fugi. Lolita foi entrevistado por um jornal de Recife em 1975. A entrevista não rendeu muito, creio que por receio das censuras da ditadura. Lolita, como já afirmei acima, não pode ser resumido a um caso de patologia médica, nem tampouco a uma visão folclorizada. Ele, antes de Lolita, e simultaneamente a Lolita, era Ivo, vindo de Nazaré da Mata.

"O Lolita brigava com três policiais, lutava capoeira, e escapava de ser levado preso. Ele entrava sempre no Gambrinus pedindo dinheiro. Era moreno baixinho, mataram na Bahia. Um casal estava caminhando e ele passou a mão no rosto do homem. O cidadão levantou o paletó, tirou o revólver e deu dois tiros. Tem a Tereza, que hoje a gente chama de puta velha, mas na época ela não era assim não gordona, era muito bonita e valentona, faturava feito o diabo. Mora até hoje aqui no Bairro! Ela diz que só sai daqui quando morrer "

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