Sociólogo analisa pleito deste ano

Campanhas eleitorais são momentos especiais da democracia. É no decorrer delas que se dá a elaboração do mandato que será expresso nas urnas. Os competidores mergulham fundo no universo da população. Acessam o seu quadro de referências e preocupações, ouvem seus anseios e angústias na dimensão exata que nem mesmo as pesquisas conseguem captar.

E, assim, passam a entender melhor até o imaginário dos diferentes grupos sociais. De uma campanha emergem candidatos mais preparados, cidadãos mais esclarecidos e, nela, a democracia
é sempre revitalizada. O apoio decisivo da opinião pública à operação Lava Jato, por exemplo, é fruto da elevação do nível de consciência da sociedade, cuja educação política se desenvolveu nos ciclos eleitorais desde a redemocratização do País.

A competição, hoje 

Tecnicamente, candidatos competitivos em cada fase da campanha são chamados aqueles cujas intenções de voto alcançam os dois dígitos. Neste momento da pré-campanha, o prefeito Geraldo Julio (25%), o ex-prefeito João Paulo (23%), empatados na margem de erro da pesquisa, juntamente com o deputado federal Daniel Coelho (13%) em terceiro lugar, formam esse pelotão.

Os quatro outros nomes que figuraram na lista no momento não compõem essa categoria. Uma primeira explicação para as diferenças no desempenho dos concorrentes tem a ver com os respectivos graus de conhecimento. A consideração dos resultados dessa questão deve preceder a análise das respostas sobre a probabilidade de voto em cada um deles.

Geraldo Julio e João Paulo já são conhecidos por mais de 80% dos recifenses. Daniel Coelho por metade deles (50%); Priscila Krause e Silvio Costa Filho, por 34% e 30%; Edilson Silva por 22%; e Carlos Augusto por 10% dos eleitores. Se os nomes agora menos conhecidos conseguirão alavancar suficientemente sua taxa de conhecimento durante a campanha, isso dependerá naturalmente dos canais de comunicação de que disporão e da qualidade de sua utilização.

Nas últimas duas eleições (2008 e 2012) ambas definidas no primeiro turno, somente três candidatos atingiram o patamar de dois dígitos dos votos válidos. Mas aguarda-se neste ano em todo o País uma inusual fragmentação dos resultados eleitorais associada ao aprofundamento da crise de representação.

Avaliação da gestão

Essa variável, por óbvio, ganha importância especial quando o incumbente, o gestor, disputa a reeleição. Diversos estudos têm apontado o patamar de 40% de avaliação positiva como um “nível de segurança” para os candidatos dessa categoria. 

Nesse sentido, o prefeito Geraldo Julio (com 27% de ótimo e bom) tem pela frente o importante desafio de tentar alcançar essa meta ao longo da campanha. Será um grande esforço, sem dúvida. Mas tecnicamente não é impossível alcançá-lo porque a maior fatia da sociedade na avaliação da gestão opta no momento pela avaliação “regular” (43%). Opositores se esforçarão para
atrair esses eleitores para o campo da insatisfação explícita e o prefeito candidato usará seu arsenal de campanha na direção inversa.

Fica mais difícil a reeleição com baixas taxas de avaliação. Na campanha de 2014, a duras penas Dilma Rousseff conseguiu retomar o patamar de 40% de avaliação positiva às vésperas do segundo turno, para vencer a eleição por margem estreita, como todos lembramos.

Fatores nacionais

Tenho dito que as eleições deste ano poderão ter um componente especialmente elevado de “nacionalização”, sobretudo nas capitais e nos grandes centros. Além das temáticas locais, a discussão da conjuntura nacional, efervescente, inevitavelmente se mesclará com elas na mente dos eleitores. Caberá às campanhas optar por aumentar ou diminuir no seu conteúdo o peso dos fatores nacionais.

À primeira vista, mantendo-se a distribuição das opiniõesdo momento, será do interesse de quem vislumbrar a possibilidade de chegar ao segundo turno municipalizar o debate, tentar fazer o mais possível da disputa uma eleição “local”, na acepção da palavra. Para evitar se inviabilizar na segunda etapa da disputa, sem conseguir atrair os eleitores do campo “nacional” oposto.

A leitura dos números colhidos aponta nessa direção. Os recifenses, embora majoritariamente críticos com relação ao governo Temer (7% de ótimo e bom versus 47% de ruim e péssimo) e favoráveis à realização de novas eleições presidenciais (66% favoráveis e 28% contrários), se dividem, empatados na margem de erro, na avaliação do impeachment de Dilma Rousseff: 47% X 45%.

O clima e os sentimentos da opinião pública

Se comparados apenas os extremos (mudança total versus continuidade) a primeira escolha domina amplamente as opções atuais dos recifenses (48% X 18%). É a introdução da categoria intermediária (mudar um pouco + continuar algumas coisas), reunindo 31% das opções, que permite supor que a chance de êxito do incumbente não pode ser descartada com base nesse clima identificado.

Ademais, interpretar e representar a aspiração de mudança não é algo fácil, que se verifique automaticamente. Deve ser lembrado que na última campanha presidencial o candidato da oposição no segundo turno, Aécio Neves, conseguiu perder a eleição, embora 72% do eleitorado desejassem a mudança.

Do ponto de vista emocional, hoje os sentimentos negativos predominam na população - 59% contra 42% -, quadro que se não for revertido pode ser canalizado preponderantemente para o discurso contra o status quo, em uma disputa que poderá vir a ser resolvida no primeiro ou no segundo turno por estreita margem de votos.

É verdade que o Recife assistiu nos últimos três pleitos à definição das eleições em um único turno. Porém, nas últimas duas vezes com margens muito estreitas dos vitoriosos sobre os adversários: 51,5% em 2008 e 51,1% em 2012. 

Comunicação: agora são duas plataformas principais

A televisão vai continuar a ser a estrela das mídias nesse ciclo eleitoral. Será no Recife, como será nos demais municípios brasileiros com campanha na TV, da mesma forma que está sendo na campanha presidencial norte americana. Por conta disso, no Brasil, assistimos a todo esforço de cooptação de legendas e frequentes trocas de cotoveladas entre os concorrentes. 

Contudo, neste ano as redes sociais vão ter um papel de destaque com capacidade de compensar em parte significativa a ausência de maior espaço na tela da TV e no rádio. Quase seis em cada
dez eleitores frequentam as redes sociais. Número que entre os jovens chega próximo ao total deles - 93%. Facebook e WhatsApp são a televisão democratizada e interativa desse novo tempo.

Marina Silva, nas duas últimas eleições, já mostrou que é possível fazer campanha praticamente sem TV. De lá para cá, isso se tornou ainda mais verdadeiro. Só para falarmos de smartphones, o País conta hoje com 150 milhões deles. 

O que vai acontecer?

Se alguém disser a você, leitor, com base nessa pesquisa do Ipespe, ou em qualquer outra, que sabe o que vai acontecer na eleição deste ano, tenha uma única certeza: seu interlocutor não sabe do que está falando. A campanha jogará um papel importantíssimo na determinação dos resultados. As pesquisas de intenção de voto, hoje, falam muito sobre o passado, um pouco sobre o presente e nada sobre o futuro.

Sobretudo em ciclos eleitorais como este, imerso na incerteza absoluta do quadro político e judicial do País e submetido a uma regra eleitoral de caráter fortemente laboratorial - posto que é um experimento inédito quanto ao financiamento por pessoas físicas, surpreendente quanto ao volume desmedido de comerciais de candidatos à prefeitura e vereança na TV, e desafiador quanto ao limite de gastos. 

Portanto, esta pesquisa deve ser vista como um registro acurado do “grid de largada”. Apenas isso. Mais do que em qualquer tempo, nessa eleição de 2016, deste momento da pré-campanha até o fechamento da urna eletrônica, parafraseando o poeta, poderá rigorosamente acontecer tudo, inclusive nada. 

Sociólogo e cientista político, o presidente do Conselho Científico do Ipespe 
Antônio Lavarenda
Artigo reproduzido do site folhape.com.br

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